quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Nossa Senhora e a festa do Santo Rosário

A festa de Nossa Senhora do Rosário é celebrada liturgicamente em toda a Igreja Católica no dia 7 de outubro. Tudo começou com a milagrosa aparição da Virgem Maria a São Domingos de Gusmão, em 1208, entregando-lhe o Santo Rosário e pedindo que o divulgasse, pois era instrumento eficaz de salvação. Daí em diante, a Ordem dos Dominicanos, fundada por São Domingos, passou a divulgar o Rosário. Em 1573, o Papa Gregório XIII instituiu a celebração para a Igreja, em todos os lugares em que se faz presente.

A devoção ao Rosário, cujo nome lembra um conjunto de rosas, é bem antiga. Desde o século oitavo, monges irlandeses já costumavam oferecer os 150 Salmos a Nossa Senhora, como se formassem um grande buquê de rosas. Como havia muito analfabetismo naquele tempo, e era difícil para as pessoas recitar os Salmos, estes foram substituídos por 150 Pai Nossos e, depois, por 150 Ave Marias, daí o sentido dessas orações comporem o Rosário.
Essas orações eram divididas em três partes, formando, cada uma um terço. Ou seja: cada parte (ou terça parte) era composta de 50 Ave Marias, rezadas ao longo do dia, de modo que, no final de cada jornada, completava-se o grande buquê de “rosas” oferecido a Nossa Senhora. Cada Terço era rezado e meditado seguindo-se os mistérios da vida de Jesus: mistérios gozosos, dolorosos e gloriosos. Mistérios Gozosos nos quais se contemplam a anunciação do Anjo a Maria; a visita de Maria a sua prima Isabel; o nascimento de Jesus em Belém; a apresentação de Jesus no templo; e Jesus perdido e achado no templo entre os doutores da lei; Mistérios Dolorosos nos quais se contemplam a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras; a flagelação de Jesus; a Coroação de Espinhos; Jesus carrega a Cruz até o Calvário; a Crucificação e morte de Jesus; Mistérios Gloriosos nos quais se contemplam a Ressurreição de Jesus; a sua Ascensão ao Céu; a vinda do Espírito Santo Sobre os Apóstolos e Maria; a Assunção de Maria ao Céu; a coroação de Maria.

Aos três mistérios acima descritos, o Papa João Paulo II, pela carta apostólica “Rosarium Virginis Mariae” (2002), acrescentou os Mistérios Luminosos. Nesses mistérios contemplam-se toda a vida pública de Jesus: o Batismo no Rio Jordão; o Milagre nas bodas de Caná; a proclamação do Reino do Céu e o convite a conversão; a Transfiguração de Jesus no Tabor; a Instituição da Eucaristia.

Toda a vida sacerdotal de São João Paulo II foi dedicada a Nossa Senhora, o que se deduz pela inscrição em seu brasão episcopal, que diz que ele é “todo de Maria”: “Totus tuus”.

Talvez uma das grandes explicações para a difusão do Rosário esteja em sua base bíblica, pois o Pai Nosso é uma oração que se encontra nos Evangelhos; a primeira parte da Ave Maria também consta de palavras bíblicas, ditas pelo Anjo Gabriel e por Isabel, prima da Virgem Maria. O restante da oração, segundo a tradição, foi composta por São Domingos de Gusmão, a quem a Igreja conferiu o título de “Apóstolo do Santo Rosário”, e é ele que está aos pés da Virgem Maria na conhecida imagem de Nossa Senhora do Rosário.

Em todas as conhecidas aparições da Virgem Maria ela recomenda a recitação do Rosário. Em Fátima, Portugal (1917), ela se apresentou como a “Rainha do Santo Rosário”, recomendando a sua recitação. Poucos, na verdade, rezam diariamente, o Rosário inteiro (os quatro Terços), mas o Terço é rezado em todas as línguas, e a todo momentos sobem aos céus muitos louvores à Mãe de Jesus e nossa.

Viva Nossa Senhora do Rosário!!!

Pe. Ismar Dias de Matos, Professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas. Belo Horizonte-MG. E-mail: prof.ismar@terra.com.br





terça-feira, 5 de maio de 2015

DENZINGER EM TRÊS GRANDES EDIÇÕES

Semelhante ao trabalho do grande jurista medieval Graciano, foi o trabalho de Dezinger. Heinrich Joseph Dominicus Denzinger (1819- 1883), ou simplesmente DENZINGER, foi um teólogo católico e autor do Enchiridion Symbolorum et Definitionum (Manual de credos e definições dos concílios, a lista de proposições condenadas, etc), começando com as mais antigas formas dos credos Apostólicos. O Manual é comumente chamado apenas de Denzinger, abreviado primeiramente como DZ).

A primeira edição dessa obra importantíssima foi em 1854, e continha uma mera coleção de 128 documentos. A sexta edição, a última da obra editada pelo próprio Denzinger, tinha 202. Após a morte do autor, o Professor Inácio Stahl continuou o trabalho de reeditar o manual com mais decretos de Leão XIII. Clemens Bannwart, SJ, preparou uma edição revista e ampliada (10a ed., Freiburg), em 1908.

Desde então, o manual tem sido repetidamente reeditado, com acréscimos consideráveis por diferentes editores. Como resultado, a numeração nas mais recentes edições em nada correspondem às do original. A numeração que estudiosos nas últimas décadas (desde 1963) têm normalmente citado para as entradas foi introduzida na edição preparada pelo jesuíta Adolf Schönmetzer. Isto explica a sigla "DS" (para "Denzinger-Schönmetzer") usada para especificar esta numeração, muito diferente do que em anteriores edições.

Fiel à tradição do “Denzinger”, as atuais 37ª e 38ª edições, ficaram aos cuidados do Professor e teólogo Peter Hünermann (*1929), e contêm duas partes: a primeira, os símbolos da fé da Igreja antiga; a segunda, os documentos do Magistério eclesiástico, em ordem estritamente cronológica e atribuídos aos sucessivos pontificados. A obra é atualmente citada como Denzinger- Hünermann (D-H).

A obra pode ser encontrada em boas livrarias católicas do Brasil. Vale a pena conhece-la!

Prof. Ismar Dias de Matos
PUC Minas: p.ismar@pucminas.br

terça-feira, 28 de abril de 2015

Pentecostes no primeiro e no segundo testamentos

Pentecostes não é, inicialmente, uma festa cristã, mas judaica, celebrada desde os tempos de Moisés, cerca de 1250 anos antes de Cristo. Jesus e seus discípulos celebraram-na dezenas de vezes. Os judeus dão a ela vários nomes: Festa de Shavuót, ou Festa das Semanas, pois ela acontece sete semanas após o Êxodo, ou saída do Egito; Festa da Colheita, numa referência ao fato de que neste dia festivo é recolhido o trigo que é ofertado a Deus; Festa da Entrega da Torá, pois segundo a tradição judaica foi neste dia festivo que Deus se revelou a Moisés e lhe ditou os Dez Mandamentos, que foram gravados em tábuas de pedra e colocados em exposição para todo o povo; Festa dos Cinquenta Dias, e corresponde às sete semanas mais um dia, que é o tempo que os judeus gastaram do Egito ao Monte Sinai, onde aconteceu a primeira e grande revelação de Deus a seu povo escolhido. É com esse nome de “Cinquenta dias”, ou Pentecostes, que a festa é lembrada no livro dos Atos dos Apóstolos (2, 1-11), do Segundo Testamento de nossa Bíblia.

Durante a Festa de Pentecostes, os judeus ainda têm o costume de subir a Jerusalém, a Cidade Santa, para visitar e lembrar a peregrinação que era feita durante o período em que havia os Templos: o primeiro Templo, que foi destruído em 586, a.C, e o segundo, destruído no ano 70 da nossa era. É costume visitar os Kibutzim, sobretudo as fazendas produtoras de leite e de trigo. A palavra “leite”, em hebraico, tem o valor numérico de “40” e, segundo os sábios judeus, faz referência aos 40 dias que Moisés ficou no topo do Sinai, em oração, à espera da Lei ou dos Dez Mandamentos, que também são chamados de as “Dez Proclamações”. Esses Mandamentos ou Proclamações são como que a Constituição do Povo de Deus, pois ao redor deles gravitam outros 603 mandamentos, totalizando os 613 mandamentos da Torá ou Pentateuco, que são os cinco primeiros livros da Bíblia.
Os Mandamentos revelados no Sinai têm importância secundária na história do povo judeu. O mais importante foi, na verdade, a revelação do próprio Deus a seu povo, que agora não precisa chamar a Deus de “Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó”; Deus se revelou a cada pessoa que se encontrava ao pé do Monte Sinai, e assim se revelou: “Eu sou o Eterno, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa dos escravos.” (Ex 20, 2).

O Midrash, livro da tradição judaica, conta que no momento dessa revelação nenhum pássaro cantou, nenhuma ave voou, nenhum boi mugiu, nenhum anjo desceu; o mar não ondulou e nenhuma criatura emitiu som algum. Todo o Universo apenas ouviu e emudeceu. Foi naquele momento que a voz do Eterno se fez ouvir. Após a revelação houve trovões, raios, o alto toque do shofar, o povo foi tomado de um grande medo. O Monte fumegava, como se fosse um vulcão em erupção. Era Deus, mais uma vez, manifestando-se no fogo, numa hierofania, como lemos em Êxodo 3, 1-6: episódio da sarça ardente.

O Pentecostes cristão nos diz que os Apóstolos de Jesus estavam reunidos no Cenáculo, agora o novo Sinai. De repente, veio do céu uma grande ventania e encheu a casa onde se encontravam. E línguas de fogo pousaram sobre cada um dos Apóstolos, e eles ficaram repletos do Espírito Santo, o mesmo Espírito que tomou conta de Moisés; e os Apóstolos começaram a falar línguas conforme o Espírito os inspirava. Os estrangeiros, de mais de doze nações diferentes, que estavam em Jerusalém para a festa de Pentecostes, independentemente da nação a que pertenciam, ouviam os Apóstolos falando em sua própria língua. O Espírito Santo inaugurava a Igreja; naquele dia memorável, em Jerusalém, a Igreja de Cristo nascia, batizada pelo fogo de Pentecostes, pelo fogo novo do Espírito Santo. Comumente, Pentecostes é a Festa do Divino Espírito Santo, ou simplesmente Festa do Divino, celebrada no próximo dia 24 de maio.

Inspirados no tema da Campanha da Fraternidade (CF), podemos dizer que a língua universal falada pelos Apóstolos e pela Igreja, é o SERVIÇO: “Eu vim para servir” (Mc 10, 45). O serviço, palavra que figura dezenas de vezes no texto-base da CF, é a tradução de AMOR. E Deus é Amor (1 Jo 4, 8). Pentecostes é a festa de Deus que se fez fogo, que se fez amor... por nós!

Ismar Dias de Matos, professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas
E-mail: p.ismar@pucminas.br

sexta-feira, 24 de abril de 2015

HOBBES E A VIOLÊNCIA

HOBBES E A VIOLÊNCIA

Prof. Ismar Dias de Matos, PUC Minas (*)

Senhoras e Senhores, bom dia.
(Cumprimentos aos componentes da mesa)

Confesso-lhes que não sei em que estado de espírito eu estava quando aceitei o convite para falar nesta Semana Filosófica que aborda o tema da “CRISE SOCIAL: violência, reflexão e emancipação”. O telefonema do professor João Carlos Lino Gomes me pegou desprevenido. Mas se eu disse sim, como diria meu pai, e por que não dizer Hobbes, tenho que cumprir a palavra dada, pois o homem deve cumprir os pactos celebrados, sob pena de cometer injustiça. E após o meu “sim” meio inconsciente, procurei traçar algumas ideias sobre o tema a mim proposto: “Hobbes e a violência”. Não sei se darei conta da tarefa, e peço de antemão que me perdoem pela falta de engenho e arte.

O tema “Crise social” associado à categoria “violência” nos faz pensar, creio eu, naquilo que chamamos de “Estado paralelo” que convive com o Estado Federativo oficial. Juridicamente não se pode falar de um Estado dentro de outro, mas o poder do que se chama Crime Organizado é tamanho, que os jornalistas e formadores de opinião cunharam a expressão “Estado paralelo”, cujas garras estão entranhadas nos três poderes da República, nos níveis federais, estaduais e municipais, e os resultados de suas ações alimentam as diversas mídias a que temos acesso. A esse Estado Paralelo e a seu Crime Organizado (disseminado em PCC, Comando Vermelho, como se fossem partidos políticos) estão ligados diversos crimes: tráfico de drogas, de armas e de pessoas, roubo de carros e de bancos, sequestros, corrupção de funcionários públicos, para citar os mais destacados. Voltarei a falar disso daqui a pouco.

Busquei o verbete “Violência” no Dicionário específico sobre Hobbes, de autoria de Aloisius P. Martinich (Dictionary: Cambrige, 1995, The Blackwell philosopher dictionaries): não encontrei nada, nenhum verbete. Certamente o termo “violência” não seja frontalmente um conceito visado pelo autor do Leviatã, embora pareça, à primeira vista, que o termo “violência” logo se liga a Thomas Hobbes (1588-1679), pois ele é o filósofo que fala da “guerra de todos contra todos”, e guerra lembra sempre “violência”. Mas o estado de “guerra de todos contra todos”, de que fala Hobbes, é o hipotético estado de natureza, em que cada homem é soberano e possui iguais direitos e não há um poder comum, uma summa potestas que una ou subjugue tais homens. Não se pode dizer que nesse estado de bellum omnium contra omnes prevaleça o que é mais forte, pois um mais fraco poderá se unir a outro mais fraco e destruir/matar um mais forte; nesse estado de natureza há uma constante ameaça de morte no ar.

Nesse Estado de Natureza, os homens nascem iguais e podem morrer da mesma maneira; qualquer um pode matar qualquer um; nenhum homem tem privilégios ante a morte violenta; a mesma ameaça pesa sobre a cabeça de cada um, a mesma espada de Dâmocles pode, a qualquer momento, cair sobre cada um. Este estado de igualdade é um estado de guerra, que só é mudado com o advento do Estado-Leviatã, que rompe a igualdade belicosa e garante segurança e paz momentaneamente. O retorno à anarquia ou às guerras particulares ronda essa paz provisória, a todo momento, como se disséssemos que o Status Naturae não pode ser abolido por um ato político, um ato da razão. Tal estado, fruto da razão, não se funda na concórdia, mas na união de todos os homens.

Poderíamos, então, dizer que nesse state of nature haveria um constante clima de violência rondando os pequenos homens soberanos? Podemos falar validamente de violência no estado de natureza? Creio que não.

Os animais podem ser violentos, como os leões e tigres, ou organizados como as formigas e as abelhas, mas só são violentos ou organizados aos olhos do homem: eles não se opõem nem se organizam em vista de criar alguma coisa; tal predisposição já está codificada em seu DNA, poderíamos dizer. Só o homem saído do estado de natureza, e já constituído como cidadão, conhece e designa a violência, o absurdo, o sem sentido. Para a fera, atirar-se sobre a sua presa não é insensato nem violento, assim como não é insensato nem violento não poder viver fora do formigueiro. O homem é o único ser, pelo menos no estágio atual do conhecimento, que pode captar o insensato e dizer não ao insensato.

Nicola Abbagnano, em seu Dicionário de Filosofia (Ed. Mestre Jou, 1982, p. 965), afirma que violência é uma ação contrária à ordem moral, jurídica ou política, e nesse sentido é possível falar em “sofrer ou cometer violência”.

O Dicionário de Política, de Bobbio-Matteucci-Pasquino (Editora UnB, 2 volumes, 1997), compreende Violência como intervenção física de um indivíduo ou grupo contra outro indivíduo ou grupo, algo feito de modo voluntário; o motorista implicado num acidente de trânsito não exerce violência contra as pessoas que ficaram feridas ou mortas. É violência a atitude do torturador que fere, mutila ou mata sua vítima. Não é violento o médico que amputa um membro do paciente com o desejo de salvar a sua vida. A violência é um ato de força exercido contra a vontade da vítima.

Não se pode entender, strictu sensu, Violência como sinônimo de força? O poder muda a vontade de outro. Há distinção entre violência e poder. O poder é a essência de todo governo, não a violência. Assim, as condições básicas para um poder legítimo é um poder íntegro, consentido pelo apoio popular e fundado na livre troca de opiniões entre iguais. A partir da ênfase na questão da "legitimidade" se pode compreender o fenômeno da obediência às leis e às instituições políticas de um país (condições necessárias para a manutenção da paz), pois a obediência política funda-se no reconhecimento da imperiosidade das determinações legais e no consentimento à sua legitimidade. As leis de um Estado têm caráter mais "diretivo" que "impositivo", são "regras do jogo" nas relações sociais. Obedece-se às leis mais pelo consentimento a elas concedido, do que pelo medo de punição. Neste sentido, as sanções das leis dirigem-se aos que desejam abrir exceções para si mesmos, àqueles que vivem no estado civil e a ele não se conformam.

O indivíduo hobbesiano é tradicionalmente interpretado como aquele que pactua entre si para deixar o estado de natureza e adentrar a sociedade civil pelo medo da morte violenta, ou melhor, para preservar a vida e assegurar a paz. O medo convence à renúncia; a esperança fará a sociabilidade desabrochar.

O direito de autopreservação deve ser compreendido de forma bem mais ampla do que o direito à vida, e deve ser identificado com o direito de natureza (Leviatã, XIV, 1). Lemos no De Cive: “não é pois absurdo nem repreensível, nem contraria os ditames da verdadeira razão, que alguém use de todo o seu esforço (endeavours) para preservar e defender seu corpo e membros da morte e dos sofrimentos” (II, 2).

Comentadores de Hobbes, como Jean Hampton e Gregory Kavka, sustentam que esse direito de natureza não é abandonado pelos indivíduos quando entram em sociedade pelo pacto originário, uma vez que esse direito é inalienável e ilimitado (HAMPTON. Hobbes and the social contract tradition, p. 201 e ss; KAVKA. Hobbesian moral and political theory, p. 315)
Se o medo da morte violenta foi o propulsor da criação do Estado-Leviatã, a vida é o bem maior do homem. A vida do indivíduo é valor supremo para Hobbes, pois ele pode resistir ao Soberano por causa dela.

Ninguém pode renunciar ao direito de resistir a quem o ataque pela força para tirar-lhe a vida, dado que é impossível admitir que através disso vise a algum benefício próprio (Lev XIV, 8)

Essa garantia é estendida também contra o poder do soberano: “o fim da obediência é a proteção [...] portanto, quando nossa recusa de obedecer prejudica o fim em vista do qual foi criada a soberania, não há liberdade de recusar; mas caso contrário, há essa liberdade” (Lev XXI, 21 e 25). A obediência ao soberano só é devida enquanto este agir de forma a garantir a ampla proteção que requer o direito de natureza, ou direito de autopreservação. Quando esse direito se encontra ameaçado, seja esta ameaça proveniente do próprio exercício do poder soberano, os súditos estão livres para desobedecer.

O soberano não pactua com uma possível violência do Estado. Lendo o que Hobbes escreveu, parece que estamos ouvindo um democrata falar: O soberano não pode ordenar a alguém para que se mate, se fira ou se mutile a si mesmo, ou que não resista aos que o atacarem, ou que se abstenha de usar os alimentos, o ar, os medicamentos, ou qualquer outra coisa sem a qual não poderá viver... esse alguém tem a liberdade de desobedecer (Lev. XXI, 11). No De Cive, Hobbes já esboça estas ideias: “ninguém está obrigado, por qualquer contrato que seja, a não resistir a quem vier matá-lo, ou ferir ou de qualquer outro modo machucar seu corpo.” (II, 18 e VI, 13). Direito de não matar. O homem que não quer ser morto pode não querer matar.

“Da mesma forma, ninguém está obrigado, por pacto algum, a acusar a si mesmo, ou a qualquer outro, cuja eventual condenação vá tornar-lhe a vida amarga” (De Cive, II, 19).

“Se alguém for interrogado pelo soberano ou por sua autoridade, relativamente a um crime que cometeu, não é obrigado a confessá-lo, a não ser que receba garantia de perdão, porque ninguém pode ser obrigado por um pacto a recusar-se a si próprio.” (Lev XXI, 13).
Esse princípio presente no Leviatã, está presente em nosso democrático sistema jurídico, embora não esteja explícito em nenhum trecho da Constituição Federal (1988) ou em qualquer código de lei brasileiro. Mas a garantia da não autoincriminação é encontrada fartamente na jurisprudência de decisões do Supremo Tribunal Federal e na doutrina processual penal. Está também sempre apoiada por entendimentos mais abrangentes de dispositivos, como o artigo 5° da Constituição, inciso LXIII (“o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”), do artigo 186 do Código Processual Penal, sobre o direito de permanecer calado, com destaque ao adendo no parágrafo único (“o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa”). São textos que todos deveríamos conhecer em detalhes, o que nos permitiria conter o abuso de autoridade, atitude violenta, que é muito comum vermos em nossas repartições públicas.
Afirma Hobbes: Os súditos podem exercer seu direito de resistência coletivamente; a resistência individual cede lugar à rebelião (Lev XXI, 17).

Se o maior inimigo que o homem hobbesiano aparentava ter era o próprio homem, e precisou se submeter a um poder soberano para se preservar dele, apenas um perigo maior do que esse pode fazer com que se uma (novamente) para se defender. Qual seria esse inimigo? O Soberano?

A rebelião pode então tornar-se revolução e isso ocorre quando a discórdia interna pode até mesmo pôr fim à soberania, uma vez que “a obrigação dos súditos para com o soberano dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los” (Lev XXI, 21). Hobbes vislumbra uma crise no Estado-Leviatã.
Sabemos que Hobbes quer garantir não apenas a integridade física, mas também a honra dos indivíduos; quer manter íntegros não apenas seus corpos, mas também a sua reputação.

É bom lembrar que Hobbes escreve aos cidadãos: De Cive, ao contrário de Maquiavel: De Principe. Hobbes ocupa-se mais do cidadão do que do governante, pois quer transformar o seu leitor em ouvinte obediente, em ouvinte cidadão.

Os homens se batem por três coisas: pela competição, pela desconfiança e pela glória (Lev, XIII, 6). O bom senso popular diz que os homens cometem crimes por causa de três barras: barra de saia, barra de terra ou barra de ouro. As nossas paixões sempre nos opõem às virtudes (Lev XVII); porque não pode mudar a natureza de seus súditos, porque não pode educá-los definitivamente, o soberano deve pregar, sem parar, a seus súditos (Lev XXIX, XLVI). A vigilância do Estado não conhece nem pode conhecer tréguas, pois é no cochilo, no vazio de vigília, que nasce a doença corrosiva do Estado.

Mas pode chegar o momento em que as ordens do Estado não sejam mais obedecidas, e os instrumentos da força que obrigam ao cumprimento da lei já não sejam mais eficazes, aí parece ter se instalado o caos. O próprio Estado, por meio de muitos de seus efetivos, pode ter sido seduzido a agir à margem da lei. Perdeu-se o controle. É o desgoverno.

É aí que percebemos a doença do Estado, que Hobbes identificou como Guerra Civil, um câncer que corrompe todo o corpo.
Voltando ao tema do Estado Paralelo que vemos presente em todas as instâncias do nosso Estado Oficial, comandando uma teia de crimes os mais diversos, parece ser a prova de que o Grande Leviatã não cumpriu sua promessa de gerar a paz e garantir a vida boa a todos os súditos. Parece que fomos devolvidos ao hipotético Estado de natureza, em que todos – literalmente todos – têm medo de todos, cada homem é uma ameaça para outro homem. Há uma desconfiança rondando a todos: não se confia plenamente na polícia, os agentes públicos são tidos como corruptos, corruptores e desonestos. Enfim, não se confia no Estado, e isso é crítico, é caótico. O que é preciso fazer para sanar a crise, sanar a violência que se instalou em todos os quadrantes? Aumentar o peso do Estado e, com isso, onerar ainda mais o cidadão? Certamente não é esse o caminho, e esta resposta não é fácil de ser dada, a não ser por aqueles que “filosofam” alterados ao redor de uma churrasqueira, com o copo de cerveja na mão.

Muito obrigado.

(*) Palestra proferida no dia 24/04/2015, durante a XXVI Semana Filosófica da PUC Minas, cujo tema foi: “A crise social: violência, reflexão e emancipação”.

sábado, 28 de março de 2015

Significado cristão-católico do Domingo de Ramos

Texto de Marco da Vinha, adaptado por Ismar Dias de Matos(*)

29 de abril: chegamos mais uma vez ao Domingo de Ramos, cujo significado ainda é desconhecido por muitos católicos. Refiro-me aos ramos que são abençoados e distribuídos neste dia; donde eles vêm?

Nós os encontramos no Segundo Testamento, na narrativa da entrada de Jesus em Jerusalém, dias antes da Sua Paixão. Olhemos para as perícopes da entrada, em especial para aquelas que mencionam a existência de ramos – Mateus (21, 1-11), Marcos (11, 1-10), e João (12, 12-16). Por que nos falam os evangelistas da presença de ramos?

Procurei olhar esses textos, não como um católico do séc. XXI, mas como um judeu do séc. I. O que a nós poderá passar despercebido como um “mero detalhe” que dá origem a um sacramental neste dia, para um judeu contemporâneo de Jesus encerava um significado profundo.
A existência de ramos e gritos de Hosanna remetem-nos para o festival de Sucót, geralmente referido como Festa das/dos Tendas/Tabernáculos no Segundo Testamento.

A observância de Sucót, cuja duração é uma oitava, foi estabelecida por Deus quando se celebrava a Aliança com Israel no Monte Sinai, sendo uma das três festas de peregrinação obrigatória a Jerusalém. A festa era de natureza agrícola, pois calhava na época da colheita (cf. Ex 23,16; 34,22); mas como toda a festa agrícola judaica, estava revestida de significado religioso também. Servia para “fazer memória” do tempo em que Israel vagueou pelo deserto, vivendo em tendas, antes de entrar na Terra Prometida, quando Deus os fez sair da casa do Egito: “Habitareis nas tendas durante sete dias; todos os que nasceram em Israel deverão habitar em tendas, para que os vossos descendentes saibam que fiz habitar em tendas os filhos de Israel, quando os fiz sair da terra do Egito”.

Estava prescrita a leitura da Lei durante a festa a cada sete anos: “Ao fim de sete anos, na Assembleia do Ano da remissão, pela festa das Tendas, quando todo o Israel comparecer diante do SENHOR, teu Deus, no lugar que Ele tiver escolhido, farás a proclamação desta Lei a todo o Israel. Reunirás o povo, homens, mulheres e crianças, e o estrangeiro que estiver nas tuas cidades, a fim de que escutem, aprendam e reverenciem o SENHOR, vosso Deus, e cumpram todas as palavras desta Lei. Os filhos deles, que ainda não conhecem, ouvirão e aprenderão a reverenciar o SENHOR, vosso Deus, enquanto viverdes na terra de que ides tomar posse, depois de passardes o Jordão”.
Era também uma festa que prefigurava/antecipava a “colheita final” de Israel, quando este reuniria todas as nações em Deus. Dada a grandiosidade da festa, e da alegria a ela associada, começou a ter ligações à linhagem real: por exemplo, durante esta festa Salomão dedicou o Templo (1 Rs 8). Após o regresso do exílio na Babilônia, e com a ausência dum rei, a festa foi ganhando conotações messiânicas. Já o profeta Zacarias nos fala do dia em que as nações haverão de vir celebrar o Sucót a Jerusalém:
Os que restarem de todas as nações, que tiverem marchado contra Jerusalém, irão todos os anos adorar o Rei, o Senhor do universo, e celebrar a festa das Tendas.
Era uma festa caracterizada por: alegria, “tendas”, ofertas, e ramos. São estes últimos que nos interessam hoje.
No primeiro dia, apanhareis belos frutos, ramos de palmeira, ramos de árvores frondosas e dos salgueiros do rio; e regozijar-vos-eis na presença do SENHOR, vosso Deus, durante sete dias.
Os ramos – luláv, em hebraico – seriam de tamareira, e teriam murta e salgueiro atados juntamente. Crê-se que estas plantas serviriam de recordação do tempo passado no deserto, uma vez que correspondem a espécies comuns nesse ambiente. O luláv deveria ser apresentado pelos fiéis no Templo todos os sete dias que durava a celebração de Sucót, e as crianças eram obrigadas a levá-lo a partir do momento em que já conseguissem abaná-lo. Durante as celebrações no Templo (cujos símbolos Jesus identificou consigo mesmo em São João), o coro cantaria os salmos de Hallel (de louvor) – os Salmos 113 a 118. Quando eram cantados os Hosannas no Salmo 118 toda a assembleia abanava os seus ramos em direção ao altar.
Como já referi, na época de Jesus, esta festa já não estava associada ao rei “atual”, da casa de Davi, mas ao Filho de Davi que haveria de vir. Sucót haveria de ser a única festa que perduraria no final dos tempos, após a vinda do Messias; a grande festa de louvor em que Israel finalmente consumaria as núpcias com o Seu Senhor. Não é por acaso que no livro do Apocalipse nos surge a imagem da multidão composta por pessoas de todas as nações diante do trono do Cordeiro, com ramos nas mãos:
Depois disto, apareceu na visão uma multidão enorme que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas. Estavam de pé com túnicas brancas diante do trono e diante do Cordeiro, e com palmas na mão.
Todo este simbolismo estaria presente na mente dum judeu do primeiro século. A presença destes sinais na entrada triunfal não implica a celebração da festa, mas o reconhecimento por parte do povo israelita, em quem estas imagens estariam bem presentes, de que o Filho de Davi tinha chegado, e que se iniciava o Sucót derradeiro (tal como São Pedro perguntou se deveria montar tendas aquando da Transfiguração).
Chegado ao fim desta breve exposição histórica, o que são para nós, então, os ramos que recebemos no Domingo de Ramos, que levamos em nossas mãos em procissão, e que eventualmente levaremos para casa? Estes ramos são testemunhos da nossa fé no Messias. São sinal de que o Filho de Davi salva. São reconhecimento do Cristo Rei. A liturgia bracarense demonstra isto duma forma sutil na procissão, através da cruz processional. Enquanto que no rito romano tradicional a cruz está velada, uma vez que nos encontramos já dentro do tempo litúrgico conhecido como "Tempo da Paixão", no rito bracarense a cruz é desvelada para a procissão, demonstrando que esta é uma entrada triunfal, de alegria. Estes ramos são uma lembrança de que, apesar de dentro de alguns dias o Senhor sofrer a Sua Paixão, “Christus vincit, Christus regnat, Christus imperat”. São sinais escatológicos na medida em que revelam a nossa fé e esperança no Rei dos Reis que há de vir no fim dos tempos, para consumar as núpcias com a Sua Noiva, a Igreja, enxugando as nossas lágrimas.
(*) Ismar Dias de Matos é professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas. E-mail: prof.ismar@terra.com.br

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Saudação a Frei Luiz Antônio Pinheiro, O.S.A, no Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais – IHG-MG.

Na foto: Frei Luiz Antônio, Dom Walmor Azevedo, Frei Paulo Gabriel, Pe. Ismar.

Cumprimentos:

Exmo. Sr. Dr. Wagner Colombarolli, digníssimo presidente deste Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais;
Exmo. Sr. Dr. Aluízio Alberto da Cruz Quintão, digníssimo secretário geral desta Casa de João Pinheiro: nas pessoas de Vossas Excelências desejo cumprimentar os demais membros da mesa.
Querido Frei Luiz Antônio, gostaria de cumprimentar, neste momento solene, o seu querido pai, Sr. Antônio Pinheiro, hoje nos braços do Eterno, mas o faço assim mesmo non solum in memoriam sed et in laudam, porque, juntamente com Dona Maria de Lourdes Cantador Pinheiro, ele nos deu, pela graça do Criador e Pai, o dom de sua presença, Frei Luiz, nosso mais novo associado;

Exmo. e Revmo. Dom Walmor Oliveira de Azevedo, nosso querido Arcebispo Metropolitano; caríssimo Frei Paulo Gabriel López Blanco, teólogo e poeta de grandes profundidades, e Provincial dos Agostinianos, que nos honra com sua presença nesta casa, Templo da Cultura mineira;
Demais familiares de Frei Luiz, amigos seus, confrades, por meio de quem cumprimento as demais pessoas aqui presentes, que nos honram com suas presenças neste sábado memorável.

Senhoras e senhores:

Coube a mim a honra de saudar, em nome deste Instituto, este nosso consócio Frei Luiz Antônio, e é com alegria que cumpro tão nobre dever. Lembro-me de quando aqui fui recebido, em 29/11/2009, pelo saudoso amigo Prof. Herbert Sardinha Pinto, cuja memória impregna cada centímetro das paredes desta Casa.
Não posso deixar de agradecer, de modo especial, os meus ilustres confrades Dr. Jorge Lasmar (Cadeira 100) e Cel. Paulo Duarte (Cadeira 63), que se uniram a mim, no dia 13 de setembro passado, para conduzirmos a este sodalício o meu querido irmão presbítero Frei Luiz Antônio Pinheiro, da Ordem de Santo Agostinho, que hoje – para nossa alegria e honra – toma posse como associado efetivo, ocupando a cadeira número 9, que tem como patrono o ilustríssimo historiador marianense Diogo Luís de Almeida Pereira de Vasconcelos (1843-1927), um dos fundadores desta Casa de Cultura, que há mais de um século congrega historiadores e geógrafos, bem como pessoas que se destacam em diversos campos da cultura – Arqueologia, Estatística, Genealogia, Geologia, Heráldica, Indiologia, Medalhística, etc – e fazem dela, sem dúvida, uma destacada reserva civilizatória de nosso estado, de nosso país.

Como Diogo de Vasconcelos, seu patrono, Frei Luiz Antônio, esse paulista de Barra Bonita, nutre imenso amor pela História, sobretudo pela história da Igreja, pois seu élan de estudioso o levou a coordenar, com o professor Caio Boschi, da PUC Minas, os dois grandes volumes da História da Arquidiocese de Belo Horizonte (2013-2014), e a resenha da grande família agostiniana no Brasil. Apenas essas obras já justificariam a presença deste estudioso nesta Casa da Memória de Minas.
Falemos um pouco mais sobre nosso confrade, sem nos perdermos em detalhes cartoriais:

Bio-bibliografia mínima:

Após um intenso périplo por várias cidades do interior paulista para cursar o primário e o ginasial, o jovem Luiz Antônio, COR INQUIETUM, desejoso de ampliar os espaços em sua alma juvenil, ingressou no Seminário Santo Agostinho, em Bragança Paulista, em 1976. Após o término do Ensino Médio, veio fazer seus estudos superiores na Terra das Alterosas, e tornou-se Bacharel e Licenciado em Filosofia pela PUC Minas (1981-1983); fez o Noviciado Agostiniano no Rio de Janeiro (1984), tornando-se, depois, Bacharel em Teologia, pela Faculdade dos Jesuítas, em Belo Horizonte (1985-1988), ocasião em que elaborou um excelente trabalho de conclusão de curso – “O papel dos agostinianos no Concílio de Trento”, sob a orientação do historiador Dr. Frater Henrique Cristiano José Mattos. Foi ordenado Diácono pelo saudoso arcebispo de Belo Horizonte, Dom João Resende Costa, em 23/03/1988. O presbiterato, recebido das mãos de Dom Constatino Amstalden, foi em 22/10/1988, na cidade de Brotas – SP. Nos anos de 1994-1998, na Cidade Eterna, fez o Mestrado em Teologia e Ciências Patrísticas, no Institutum Patristicum Augustinianum, com a dissertação “Il ruolo del Verbo Creatore nelle prime opere de Agostino” (O papel do Verbo Criador nas primeiras obras de Agostinho).

Nossa Casa, como é mister a toda instituição que deseja durar por prazo indeterminado, se renova, e hoje ela respira esses ares de renovação com a presença deste historiador que ora se junta a nós, cheio de entusiasmo. Se é verdade que ele é paulista de nascimento, hoje é mais mineiro que paulista, por suas vivências entre nós; trinta e quatro anos são passados desde que aqui chegou, em 1981, para viver e se alegrar conosco. Nós o recebemos com simplicidade, mas no peito o nosso coração é solene, é quase medieval, e o recebe, Frei Luiz Antônio, como outrora a Ordem dos Cavaleiros recebia em suas hostes os seus oficiais, exaltando-os pela sua grandeza moral e destreza para os combates; assim o recebo e, creio, o recebem todos os nossos consócios, para que aqui exerça o seu ofício de historiador como arauto do bem e da luz.

Nosso novo associado é professor na PUC Minas e no Instituto Santo Tomás de Aquino (BH), onde ministra aulas de Patrística – um exímio conhecedor do pensamento de Santo Agostinho – professor de História da Teologia, História do Cristianismo – desde o período antigo ao contemporâneo; é fluente em espanhol, francês, italiano, inglês, e domina como poucos o latim e o grego.

Na Ordem de Santo Agostinho, Frei Luiz Antônio é, desde 1987, membro permanente das Comissões de História da Organización de Augustinos de Latino América (OALA) e da Federação Agostiniana Brasileira (FABRA); exerceu a função de Arquivista Vicarial (Belo Horizonte, fev de 1987 a dez 1990 // nov 1998 até o presente); Mestre de Postulantes, Prior e Mestre de Professos, Conselheiro Vicarial, Prior da Fraternidade Agostiniana, Assessor do Departamento de Pastoral do Colégio Santo Agostinho, de Belo Horizonte. Dentre muitas outras.
Na Arquidiocese de Belo Horizonte: foi Vigário Paroquial da Paróquia Cristo Redentor, no Barreiro de Cima, com várias provisões; Administrador Paroquial da Paróquia Santa Clara da Piedade, bairro Caiçara, nesta capital; Vigário Episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora da Esperança, de 2001 a 2007; Vigário Episcopal para a Pastoral (2007-2010); Vigário Episcopal da Região Episcopal Nossa Senhora Aparecida (de 2010 a 2014); Representante da Arquidiocese de Belo Horizonte na Comissão de Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso do Regional Leste II da CNBB (2005-2010); Atualmente é membro dos Conselhos Episcopal, Presbiteral e Pastoral da Arquidiocese de Belo Horizonte, desde 2001; moderador eclesiástico da Comunidade Católica Nova Aliança, desde 2006; é, atualmente, Vigário Paroquial na Paróquia Nossa Senhora da Consolação e Correia, bairro Santo Agostinho, onde trabalha em comunhão com seus confrades agostinianos.

Conclusão:

O senhor, Frei Luiz, por ser um homem do Evangelho, tem sempre muitas portas abertas para recebê-lo, em todos os lugares, como bem disse o Divino Mestre de Nazaré àqueles que deixariam tudo para segui-Lo (Mc 10, 29). Agora o senhor tem também, sempre aberta, a porta desta Casa de João Pinheiro para recebê-lo. Aqui o senhor estará entre amigos, entre seus pares.
Frei Luiz, sua nova casa é morada da História, essa realidade que os homens e as mulheres tecem na urdidura do tempo, pois na tela de Cronos é que costuramos aquilo que faz sentido para nossa construção vital, para a construção da história da Liberdade, como diria o filósofo Hegel; e, porque não dizer, daquilo que construímos com nossas inquietações cotidianas, à semelhança daquilo que Santo Agostinho deixou registrado nos treze capítulos de suas Confissões, esses relatos da historicidade humana em seu íntimo, em busca de sua maturidade e de seu fortalecimento.

Que o senhor produza muitos frutos entre nós, e leve para outras latitudes o nome de nossa Casa.

Seja bem vindo, Frei Luiz!

Muito obrigado.

Pe. Ismar Dias de Matos, cadeira 75 (Patrono: Dom Joaquim Silvério de Souza).

Belo Horizonte, 21 de fevereiro de 2015, Sábado depois das Cinzas.

Post Scriptum: Algumas das obras de sua autoria:

PINHEIRO, L. A. "A atualidade de Santo Agostinho: uma perspectiva teológico-pastoral". Horizonte (Belo Horizonte), v. 7, p. 115-126, 2008.

PINHEIRO, L. A. Evangelizar no espírito de Jesus: a dimensão querigmática da evangelização. Horizonte (Belo Horizonte), v. V, p. 172-181, 2007.

PINHEIRO, L. A. Signum unitatis: um aspecto essencial da doutrina eucarística de Santo Agostinho. Cadernos Patrísticos, v. I, p. 111-132, 2006.

PINHEIRO, L. A. Agostinianos: 750 anos da Grande União (1256-2006). Atualização, v. 323, p. 507-562, 2006.

PINHEIRO, L. A. Espiritualidade agostiniana. A vida no amor segundo o Dom do Espírito. Atualização, v. 298, p. 891-918, 2002.

PINHEIRO, L. A. "Cem anos de presença Agostiniana no Brasil". REB. Revista Eclesiástica Brasileira, v. 59, p. 859-877, 1999.

PINHEIRO, L. A. O compromisso ético-político em Santo Agostinho. Atualização, v. 279, p. 247-260, 1999.

PINHEIRO, L. A. A centralidade do amor na filosofia agostiniana. Atualização, v. 277, p. 49-72, 1999.


Livros publicados/organizados ou edições:


BOSCHI, C. C. (Org.); PINHEIRO, L. A. (Org.). História da Arquidiocese de Belo Horizonte. A Arquidiocese de Belo Horizonte e a evangelização. 1. ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2014. v. 2. 447p

BOSCHI, Caio César (Org.) ; PINHEIRO, L. A. (Org.) . História da Arquidiocese de Belo Horizonte. A Arquidiocese de Belo Horizonte e a contemporaneidade. 1. ed. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2013. v. 1. 307p.

BLANCO, Paulo Gabriel López (Org.); PINHEIRO, L. A. (Org.) . Paróquia Cristo Redentor. 40 anos de presença agostiniana no Barreiro. 1. ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013. v. 1. 89p.

BLANCO, Paulo Gabriel López (Org.); PINHEIRO, L. A. (Org.) . Félix: 8 ou 80. Livre, humano, radical. 1. ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012. v. 1. 223p.


Capítulos de livros publicados:


PINHEIRO, L. A. Paróquias: espaços de evangelização. In: BOSCHI, C.C.;
PINHEIRO, L.A. (Org.). História da Arquidiocese de Belo Horizonte. A Arquidiocese e a evangelização. 1 ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2014, v. 2, p. 121-205.

PINHEIRO, L. A. A Igreja de Belo Horizonte na contemporaneidade: autocompreensão, dinâmicas e estruturas a serviço da evangelização. In: BOSCHI, C.C.; PINHEIRO, L.A. (Org.). História da Arquidiocese de Belo Horizonte - A Arquidiocese e a contemporaneidade. 1ed. Belo Horizonte: PUC Minas, 2013, v. 1, p. 22-93.

PINHEIRO, L. A. Os Agostinianos no Barreiro; um projeto de formação junto do povo. In: BLANCO, P.G.L.; PINHEIRO, L.A. (Org.). Paróquia Cristo Redentor. 40 anos de presença agostiniana no Barreiro. 1ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2013, v. 1, p. 17-43.

PINHEIRO, L. A. Félix Valenzuela, um Agostiniano fora de série. In: BLANCO, P.G.L.; Pinheiro, L.A. (Org.). Félix: 8 ou 80. Livre, humano, radical. 1ed. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012, v. 1, p. 61-81.

Textos em jornais de notícias/revistas:

PINHEIRO, L. A. Primeiro homem moderno. Estado de Minas/Pensar, Belo Horizonte, p. 3 - 3, 03 set. 2014.

Apresentações de Trabalho

PINHEIRO, L. A. Mesa redonda Renovação Litúrgica a partir do Concílio Vaticano II. 2012. (Apresentação de Trabalho/Outra).

PINHEIRO, L. A. Espiritualidade e Inculturação da Ratio Institutionis O.S.A. 2006. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra).

PINHEIRO, L. A. Os fundamentos do Fato Cristão: heterodoxia e ortodoxia. 2005. (Apresentação de Trabalho/Conferência ou palestra).


Outras produções bibliográficas

SANTOS, Reinaldo Carlos dos; PINHEIRO, L. A. Prefácio. Belo Horizonte, 2012. (Prefácio, Pósfacio/Prefácio).

BLANCO, Paulo Gabriel López; PINHEIRO, L. A. Posfácio. Belo Horizonte - MG, 2012. (Prefácio, Pósfacio/Posfácio).

PINHEIRO, L. A. GASQUES, Jerônimo. Como falar de missa com o povo. Petrópolis: Vozes, 1985. 90 pp., in: Perspectiva Teológica Ano IX, 47. Belo Horizonte 1987 (Recensão).

PINHEIRO, L. A. CIMOSA, Mário. Levítico e Números (Col. Pequeno Comentário Bíblico Antigo Testamento) São Paulo: Paulinas, 1984. 187 pp. in: Perspectiva Teológica Ano XVIII, 44. Belo Horizonte 1986 (Recensão).

PINHEIRO, L. A. San Agustín y la liberación. Simposio de la OALA, Lima: CETA. Belo Horizonte: Perspectiva Teológica (p. 399-401), 1985 (Recensão).

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Naaman e o outro leproso

Naaman era importante general da Síria; comandava o exército do rei Ben Hadad II; possuía muito poder, muitos bens, mas era doente: leproso. E não deixava de ser vaidoso. Não se afastara das tarefas, pois sua doença era quase imperceptível ainda. Sua criada – uma mocinha judaica, escravizada, de quem não sabemos o nome – disse a seu amo que o Deus de Israel poderia curá-lo, desde que fosse ao profeta Eliseu, na Samaria. E o general foi. Levou cartas de recomendação do rei, levou muito dinheiro e muitas roupas vistosas... O profeta não o recebeu, mandou um secretário em seu lugar, com a ordem: que Naaman fosse se banhar no Jordão, mergulhar sete vezes, e estaria curado. O militar ficou irado com o profeta. Certamente esperava um grande espetáculo.

Um subalterno do general conseguiu convencê-lo a cumprir a ordem do profeta Eliseu. Com jeito e sabedoria - sem dizer estas palavras -, disse a seu chefe que não adiantava sustentar a arrogância e voltar pra casa com a lepra; era preciso descer do salto alto, pois Deus não beneficia os orgulhosos. Naaman, então, obedeceu e foi curado. Sem espetacularização. Tudo simples, como uma flor brotando sem alardes (2 Rs 5, 9-14).

O evangelho (Mc 1, 40-45) nos apresenta um leproso sem nome, que se ajoelha aos pés de Jesus e lhe diz: “Senhor, se queres, tens o poder de curar-me”. Sua doença é a mesma do general sírio, mas sua atitude é bem diferente. Abatido pela doença, marginalizado socialmente, ele se abaixa ainda mais – ajoelha-se aos pés do Nazareno. E recebe a cura! E se ergue renovado. Transbordando de contentamento, ele espalha aos quatro cantos que fora curado por Jesus, embora o Mestre tivesse pedido para que isso não fosse dito.

Nossa doença pode, muitas vezes, se manifestar como a arrogância de Naaman, que ficou indignado por não ser recebido pelo profeta. Julgamo-nos importantes demais, muito mais do que realmente somos. E as graças de Deus passam por nós, sem que as notemos, pois não olhamos para baixo, ou para os lados. Poderíamos aprender a lição de humildade com o leproso mencionado no evangelho, pois só os humildes receberão as graças divinas.

Ismar Dias de Matos, Presbítero da Diocese de Guanhães, Professor de Filosofia e Cultura Religiosa na PUC Minas. E-mail: idmatos@folha.com.br